Trata-se de uma viagem carregada de simbolismo e cálculo, em que a diplomacia tradicional cede espaço à lógica da maximização de ganhos materiais imediatos.

Ao escolher Arábia Saudita, Catar e Emirados Árabes Unidos como seus primeiros destinos oficiais do segundo mandato, Trump evidencia sua preferência por interlocutores dispostos a negociar sob seus próprios termos: poucos entraves institucionais, grande capacidade de investimento e disposição para firmar acordos vantajosos, sobretudo em áreas estratégicas como defesa, energia e tecnologia.

A promessa de retornar a Washington com US$ 1 trilhão em investimentos e compromissos comerciais é, por si só, reveladora do tipo de prioridade que guia essa jornada. A geopolítica, aqui, aparece como pano de fundo — quase um detalhe.

Contudo, o pano de fundo importa (e muito).

A visita ocorre no momento em que as negociações entre Estados Unidos e Irã sobre o programa nuclear enfrentam mais uma rodada inconclusiva.

Sob mediação de Omã, as conversas patinam nos mesmos imes que marcaram os anos anteriores: o direito iraniano ao enriquecimento de urânio versus a exigência norte-americana de “enriquecimento zero”.

Embora o canal diplomático permaneça aberto, o distanciamento entre as posições não sugere qualquer avanço imediato.

A tensão cresce quando se observa que um dos principais itens da pauta saudita com os Estados Unidos é, justamente, o desenvolvimento de um programa nuclear civil com direito ao enriquecimento doméstico de urânio.

A diferença de tratamento entre aliados e rivais é notória e carrega implicações de longo prazo. O precedente que se busca abrir com Riade pode não apenas minar os esforços de não proliferação, mas também alimentar suspeitas de double standards por parte de Washington.

Adicionalmente, um dos aspectos mais inquietantes da visita é o uso estratégico das tecnologias emergentes como instrumento de barganha geopolítica.

Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita têm pressionado por o privilegiado a chips de inteligência artificial desenvolvidos no Vale do Silício, reconhecendo seu valor tanto econômico quanto militar.

Trump enxerga nessa demanda uma oportunidade para extrair concessões econômicas e reforçar sua influência na região.

No entanto, ao tratar esse ativo sensível como simples moeda de troca, sem respaldo institucional claro nem debate público consistente sobre os riscos envolvidos, os Estados Unidos expõem a si próprios — e o sistema internacional como um todo — a novas assimetrias e vulnerabilidades tecnológicas de longo prazo.

O silêncio ensurdecedor sobre Israel também chama atenção. Ao excluir Benjamin Netanyahu da agenda, mesmo em meio a discussões críticas sobre um possível cessar-fogo em Gaza, Trump sugere uma reconfiguração de suas prioridades regionais.

Em suma, a visita de Trump aos países do Golfo é um gesto político carregado de mensagens: reafirma sua visão utilitarista das relações internacionais, aposta na personalização da política externa e aprofunda os vínculos com regimes autoritários com base em interesses econômicos de curto prazo.

Mais do que isso, ela projeta um modelo de atuação global que substitui alianças baseadas em valores por parcerias orientadas por transações.

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